Um ponto turistico pouco conhecido pelo povo belenense
Certo dia, passando pela travessa Castelo branco com a travessa dos caripunas, avisto uma daquelas placas de orientação turística escrita ruínas do murutucu, fazendo-me lembrar dos velhos tempos de graduação, onde ouvir falar, pela primeira vez, deste ponto turistico pouco conhecido e quase esquecido por Belém.
Um monumento vivo da história e cultura paraense que, segundo o museu Emilio Goeldi, está condenado ao desaparecimento em meio às matas da Embrapa, na estrada da Ceasa.
As ruínas do Engenho Murutucu foi um dos focos da Cabanagem (1835-40), revolta popular alimentada pelo desejo de independência e pela miséria da maioria da população paraense. O Murutucu foi também o refúgio do arquiteto italiano Antonio Landi, referência histórica e arquitetônica de Belém em âmbito internacional. Foi no engenho do Murutucu que Landi morreu. Essas referências perdem seu lastro, contudo, com a deterioração acelerada das ruínas da capela reformada pelo próprio arquiteto - antes abraçadas por um enorme apuizeiro -, de uma casa-grande, uma fábrica e das edificações do sistema motriz de produção de açúcar e aguardente no local.
Esse processo é acompanhado de perto pelo arquiteto Fernando Marques, 48, pesquisador em Arqueologia do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). "Como é um patrimônio tombado pelo Iphan, ele tem possibilidade de auto-gestão e de se tornar um espaço de educação e de turismo. Já imaginou uma escola de Arqueologia neste sítio?". A informação mais antiga sobre o Engenho do Murutucu data de 1711, quando foi construída a primeira capela pelos padres carmelitas. Só em 1766 o engenho tornou-se propriedade de Antonio Landi. Murutucu, segundo Fernando Marques, é uma corruptela do canto da ave coruja. O engenho entrou em ruína em 1850.
Desde 1940, há 70 anos, portanto, o Murutucu é propriedade da União e hoje pertence à área da Embrapa. O Governo Federal implantou no local um campo experimental de prática agrícola e foi isso que garantiu a preservação, em parte, dos elementos do sítio. Esse sítio arqueológico faz parte da tese de doutorado do arquiteto Fernando Marques, intitulada "Modelo de Agroindústria Canavieira Colonial no Estuário Amazônico: Estudo Arqueológico de Engenhos dos Séculos XVIII e XIX", apresentada na PUCRS, no ano de 2004. O Pará chegou a contar com mais de 50 engenhos. Na época, a Amazônia era Belém e imediações, praticamente. O marquês de Pombal estimulou o comércio no País com a criação da Companhia Geral do Comércio do Grão-Pará-Maranhão, e desse modo proliferaram-se os engenhos.
Fernando conta que o Engenho Murutucu hoje se encontra em plena área urbana de Belém, mas, na época de sua construção e funcionamento a todo vapor, era um pequeno burgo nos limites da cidade. O Murutucu chegou a reunir 150 escravos ou escravizados, como prefere chamar Fernando Marques. Apesar de tombado pela União, o sítio arqueológico não conta com um sistema permanente de vigilância, e, por isso, constantemente é devassado por pessoas em busca de suas estruturas físicas, como tijolos, pisos e outros elementos compostos em formato específico para as edificações. Fernando Marques relata ser comum pessoas de baixa renda levarem pedras e tijolos para serem aproveitados como material de construção. Pior para quem poderia conferir no local a riqueza de detalhes de um altar destinado a imagens, fachadas e paredes, alvos da reforma empreendida pelo talento de Landi.
No local ainda está o sistema motriz que canalizava as águas do rio Guamá e igarapé Murutucu, por meio de uma roda d’água, para uma moenda, através de uma roda d’água, para a produção de açúcar e aguardente a partir da cana de açúcar. Fernando Marques conta que esses locais de roda d’água nos engenhos foram preservados por comunidades por serem espécies de sumidouros da força de trabalho da época, no caso negros e índios escravizados. O Murutucu contabiliza uma área de 400 por 300 metros, limitada pelo igarapé Murutucu e a Estrada da Ceasa. O engenho era visitado por turistas há 20 anos, mas agora não, por causa do abandono e pela falta de segurança na área.
ABANDONO
Desde 1986, Fernando Marques, que integra o Fórum Landi, instituição que atua na preservação e valorização das obras de Antonio Landi em Belém, pesquisa o Engenho Murutucu. Em 1992, ele organizou um vídeo sobre o engenho, com imagens da Casa-Grande, que já não mais existe. Em 1995, durante a construção da estrada da Ceasa, um operário da empresa Terraplena entrou no sítio arqueológico com um trator e derrubou a Casa-Grande, para pegar pedras e tapar buraco na estrada. Como pena, a empresa teve de restaurar a capela. Mas hoje está tudo deteriorado, a capela e o sistema motriz. Fernando argumenta contra esse abandono, enfatizando que o engenho foi um meio de produção no Brasil Colônia, reunindo portugueses e italianos, e a força dos negros e indígenas escravizados. Nós temos catalogados registros históricos dessas três etnias, como a cerâmica indígena, a louça européia e a cerâmica e objetos pessoais como charutos dos negros. Encontramos também no sítio moedas e instrumentos musicais, como gaita.
As informações sobre Engenho do Murutucu coletadas pelo arquiteto Fernando Marques servem de passaporte para um passeio pelo Brasil colonial, em especial a relação do italiano Antonio José Landi com o local. O que é hoje um sítio arqueológico era ocupado no começo do século 18, precisamente em 1711, pela capela dedicada à Nossa Senhora da Conceição pelos frades carmelitas. José Borges Valério, que na primeira metade deste século exerceu o cargo de ouvidor-mor, foi o proprietário do engenho por volta de 1750. Após a morte de Valério, o engenho foi transferido para Domingos da Costa Bacelar. Em 1766, Antonio Landi, chegado ao Brasil em 1753 da comissão de demarcação de limites da Amazônia, adquiriu o Murutucu, com setenta pessoas, entre índios, índias e rapazes nascidos no dito engenho.
Fernando Marques observa que Landi foi o precursor do estilo neoclássico no Brasil: em Belém, ele foi autor do Palácio do Governador, Igreja de Nossa Senhora do Carmo, de Sant’Ana, Catedral de Nossa Senhora das Graças, a capela de São João e outras obras. Landi incorporou os traços do Neoclassicismo na reforma que empreendeu na capela do engenho. Documentos encontrados revelaram que Antonio Landi morreu no seu próprio sítio, em 22 de junho de 1791. Desse modo, o engenho foi herdado pela filha dele, Ana Teresa, que se casou com o capitão João Antônio Rodrigues Martins, filho de João Manuel Rodrigues, dono de engenhos como Mocajuba e Utinga.
CABANAGEM
Em 15 de dezembro de 1819, a partir da relação do capitão João Antônio Martins com a guarda local, o sítio transformou-se em área de treinamento militar. Com a morte de Martins, o engenho passa para a filha dele, Ângela Joana Pereira Martins.
De acordo com a pesquisa empreendida por Fernando Marques, em 1835 o Murutucu esteve relacionado à Guerra da Cabanagem. Quando o local temporariamente foi utilizado como um acampamento das tropas de revoltosos liderados por Vinagre, Angelim e Gavião, comandantes da revolução. Em 14 de agosto de 1835, com uma caminhada a partir do engenho Murutucu, começou a segunda invasão de Belém pelas forças cabanas. Nesse momento, o engenho provavelmente estava abandonado. Daí ter sido requisitado pelo cabano João Antônio Sete para servir de moradia para seus familiares. Em 1841, o engenho foi comprado por Henrique Antônio Strauss, e figuram entre os bens na escritura: uma casa de vivenda, uma casa de engenho, uma senzala, uma roda d’água, moendas de ferro, um vapor, serraria, alambique, tachas de ferro, balança e pertences da capela. O Engenho Murutucu tornou-se monumento tombado pelo Iphan em 8 de outubro de 1981.
FONTE: Museu Paraense Emilio Goeldi
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